terça-feira, 26 de outubro de 2010

A gente estava lá

Via SMS:

25 out, 2010 6:25:05 PM (de Karla Natal para Carla Vergara)
Adélia tá soltinha aqui no meio da livraria. Esta ela e seu amor feinho! Mto fofo! Vc vem? Vou guardar seu lugar até qdo der

25 out, 2010 6:25:54 PM (de Carla Vergara para Karla Natal)
Já tô aqui dentro garantindo o meu lugar e o seu. Vem logo! Bjs


Este post não é só meu, é também da Karla Natal, que estava comigo na Travessa do Leblon para o lançamento de A DURAÇÃO DO DIA, novo livro da Adélia Prado. Combinamos de escrever juntas sobre a delícia que foi escutar esta linda poeta falar.

Minha primeira idéia era fazer um início e um final e, deixar o meio para a Karla rechear. Só que este formato não deu tão certo porque a Adélia é poética demais pra chegar na gente do mesmo jeito. O texto da Karla e o meu estavam inteiros em si, porque a poesia dela nos completa de modo particular, fez uma gestalt nas nossas almas, dá pra entender?

Então vai ser assim: o meu texto e depois o dela. Vai ficar enorme, mas é o tamanho que a gente precisa pra se expressar.

Primeiro eu:

Ela (Adélia) estava muito simples quando a vi da primeira vez, muito sentadinha no café, cotidiana. Carregava a vida nas ancas, os olhos cheios de rugas e poesia. Observava uma coisa que lhe mostravam, uma coisa que eu não vi o que era. Estava atenta, fazendo bem o que disse minutos depois:

“A poesia é maior que o poeta
A obra é maior que o artista
É melhor mesmo nem conhecê-lo, é sempre uma decepção
O meu cotidiano?
Eu tenho que falar isso? O meu cotidiano não interessa...”

O que mais ela disse? Coisas de uma sabedoria ancestral:

“Eu tive uma experiência poética: a beleza através da palavra. Algo assim: É TÃO BONITO QUE SÓ PODE SER VERDADE! É uma convicção interna de que algo que é maior que você existe. Mas não é isso que eu estou falando aqui, é uma experiência, é vital, é sangue e ossos.”

“Jung teve a coragem de dizer que religiosidade é um instinto, uma vontade de descansar em algo maior, deitar no seguro. A poesia é religiosa neste aspecto, ela religa a um centro de significação e sentido, à transcendência.”

“O poema verdadeiro é sempre novo. A experiência com a beleza é sempre nova. A arte faz isso e, se você dá um passo a mais, cai na mística.”

Então ela lembrou um poema de Augusto dos Anjos que eu não me lembro qual é. Vamos ver se a Karla, que vai escrever este post comigo, anotou. E citou um trecho do poema Tarde de Maio, do Drummond, que a deixou neste estado de “NOSSA, COMO É BONITO ISSO!” :

“Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior
de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio”


Disse ainda:

“A poesia é a linguagem por excelência, é a síntese. Diz-se num poema o que numa prosa pode levar páginas e páginas.”

“O poeta expressa o que cada um sente mas não consegue articular. Se o poeta sofre? O sofrimento do poeta é negar-se a isso.”

“O poeta é o cavalo do santo.”
ISSO É UM POEMA, NÃO É ADÉLIA?

“A pessoa é tocada pela poesia onde a humanidade dela é confirmada. A poesia humaniza pela beleza.”

Entre essas palavras, alguns poemas foram lidos por ela, pela atriz Cassia Kiss e pelo poeta Ramon Mello. Eu vou colocar aqui o poema com o qual ela concluiu a conversa:

Mulheres
Ainda me restam coisas
mais potentes que os hormônios.
Tenho um teclado e cito com elegância
Os Maias, A Civilização Asteca.
Falo alto, às vezes, para testar a potência,
afastar as línguas de trapo me avisando a velhice: “Como estás bem!”
Aos trinta anos tinha vergonha de parecer jovenzinha,
idade hoje em que as mulheres ainda maravilhosas se processam
ácidas e perfeitas como legumes no vinagre

De qualquer modo se o mundo acabar a culpa é nossa.

E depois, quando eu fui pegar o autógrafo no meu A DURAÇÃO DO DIA e no do Lucas QUANDO EU ERA MENINA, ela ainda dedicou! Perguntou a idade dele e afirmou a saudades no neto. Tão avó, tão feliz da vida quando eu disse que o primeiro poema que eu decorei foi ENSINAMENTO! Pode isso? Ela feliz? Imagina eu?!

“Carla, que a poesia seja sempre sua fiel companheira. Com carinho, Adélia Prado”
- SERÁ!

“Para o Lucas ficar amigo da Carmela e do Alberto. Muitos beijos da Adélia Prado”
- JÁ É!

Concordo com você, Adélia: “Meu bem supremo é o lugar onde sonhar é a máxima vigília”. Sonhei te conhecer e realizei.

Agora a Karla:

A Carla enviou por email aos amigos o tal evento de lançamento na segunda. Eu li logo pela manhã e torci pro dia durar pouco e me colocar logo de frente pro espetáculo lindo e simples que é ouvir Adélia Prado.

Eu tinha terapia no horário marcado, mas não senti culpa em desmarcar...tinha certeza do que estava fazendo, já que já tinha tido meus momentos de ‘tietisse’ em outras oportunidades.

Meu vô, de quem eu sinto saudade há quase 2 anos, me deu embrulhado pra presente a coleção inteirinha da poeta – eu estudava sua obra na escola da Lucinda e eu cheguei em casa tão maravilhada, que ele quis que eu não deixasse de ter por perto nenhuma linha assinada por ela.

Ele me deu um tesouro e se referia tão docemente a dona dos livros que me comprou, como D. Adélia – que podia ser uma vizinha, uma amiga da família...foi então que contei a Carla que esse foi o primeiro livro que meu vô não me deu, mas não tinha tristeza nisso, tinha poesia, a tal da experiência poética, arrebatadora e que eu soube entender.

D. Adélia é simples e eu me peguei desejando muito ser assim também. Eu já não me lembro o que foi que ela citou sobre Augusto dos Anjos, porque especialmente ontem, estava mais atenta ao que é ingênuo, puro e cotidiano. Ela disse: ‘eu só falo português e não leio em outras línguas’. ‘Eu não tenho muita habilidade com computador, escrevo a lápis e o Zé passa pra mim’...

Perto dela todos os outros parecem sobrar, gritam em seu exagero, é excesso. Aos 27 anos e eu querendo cuidar pra envelhecer na medida do necessário, ser bonita e dona, como a minha D. Adélia.

Eu de novo:

Agora é depois do almoço quando eu estava com duas amigas contando: como é que a gente finge que o mundo continua igual depois de encontrar Adélia Prado, hein?

A gente não finge
O mundo não volta
A gente fica com ela dentro da alma
Cheia de poesia e beleza
Com muita vontade de ser melhor.

4 comentários:

  1. ela soltinha pela livraria e a gente soltinha na experiência de repensar e articular em palavras tudo que a gente sentiu, né?

    A gente realmente estava lá!

    Amei a dobradinha!
    mtos bjos
    karla

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  2. Vocês conseguiram transmitir a ótima sensação deste encontro ( mas não a intensidade, essa só vocês sabem o quanto cada uma foi tocada ).
    Não sou leitor de Adélia Prado, mas depois deste encontro, sinto que deveria.
    Ainda bem que sempre há tempo.

    P.S.: Carlinha! Estou extremamente feliz em ver que voltou a postar!
    Beijo enorme!

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  3. Acabei de encomendar o meu!
    Devo isto a vocês!

    Beijos,
    David Lima

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  4. My friend, estive com Adelia também: pelas tuas palavras aqui postadas, pela tua doçura e carinho imensos ao pedir à nossa mestra um autógrafo dedicado a mim... Obrigada!!!!!!! I LOVE YOU!!

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