sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O palhaço e a bailarina


Tenho na minha memória que meu avô era amigo do palhaço Carequinha. Não sei se a história procede. Fato é que, por muitos Domingos da minha infância, assisti Carequinha apresentar-se no Rincão Gaúcho, churrascaria que ficava de fronte a casa dele, na Zona Norte do Rio. Uni os dois, por fato real ou invenção, e me pergunto o sentido desta doce lembrança viva no meu coração.

O que recordo do meu avô é a sua dança espalhada na sala. Também suas roupas sempre brancas e perfumadas pelo sabonete Lux. O queijo coalho frito cheirando no café da manhã. A minha irmã mais nova, ainda bebê, subindo e descendo da sua enorme barriga, por conta da respiração.

Ocorre que a dança do meu avô, a despeito do seu peso farto por conta da comilança, era leve. Seu sapato branco flutuava, e eu, respirava no corpo duro que eu tinha.

Sim, o meu corpo era duro. Foi um corpo anteparo das angústias que eu desconhecia. Envolvia uma mente pisciana de sonhos, que transformava a matéria bruta da vida em matéria prima de arte. Uma mente que transgredia a realidade e inventava. Criou uma pedra pra ficar de pé.

Na adolescência, a dança me compreendeu. Aprendi, por inconsciência feliz, a dançar. Salsa, bolero, samba de gafieira e até o zouk, lambada importada da França. Sem nenhuma técnica ou qualquer aula, eu deslizava. De segunda a segunda, entre suor e sorrisos, eu só queria saber de dançar. Até hoje a dança representa uma condição de saúde, uma cura, uma realidade suprema. Uma música dançada, para mim, é Deus.

O palhaço, que delicado:
Freud e seu Édipo explica,
Jung e seu arquétipo explica,
O palhaço e a bailarina.

O palhaço descobre, desde sempre, a minha criança alegre dos Domingos do Carequinha. A minha menina que desejou aprender a dançar, e conseguiu.
Ele é o macho da poeta que a minha mulher é. De quem as sapatilhas são, hoje, as palavras.
E ainda traz meu avô por dentro, rodopiando entre as nuvens do céu.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Expectativa

“Eu amo a minha escola!”
Ele exclamava bem em frente ao portão
Depois da esticada das férias
(por coisa esquisita na população)
Era o dia do reencontro
Da retomada do quintal da sua vida de aprender a ser cidadão
Manhã seguinte de parque
De árvore
De amigos
De muito beijo de mãe - por vezes sonho ter estoque de selar e não é que acontece!
Esse jeito pele de amar
Jeito meu
Deixa nele uma marca
Um excesso.
Tenho dias de transbordar
Um moinho no coração:
Pôr do sol, paisagem de mar,
Vôo rasante e de alto de céu
Língua que toca bem na boca do meu estômago, do friozinho que dá
Horas de abraçar...
Pensamentos de sexo que prefiro nem relatar!
E uma madrugada inteira gestacionando palavras
Até que às 5 da manhã
Na beira de dormir
Ocorre o parto
Na lembrança do que outro dia ouvi:
“Vocês mulheres inventam essas historinhas e nos põe de personagem, sem nem nos avisar!
Caraminholas, camisolas, calcinhas, champagne, viagens, banhos quentes, declarações
Ora, tem coisas que nem precisam presságio...
Além do mais,
O que seria dos poemas?
Qual seria a função da minha imaginação se não fosse essa de fabricar as minhas coisas de imaginar?
Eu vivo:
Mãe, não só - também mulher de amar
Numa seqüência circular e sem fim.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Carne minha

Corpo desnudo, tenho por meio das palavras.
Medos esparsos
Sangue inexato
Cantos pungentes de conversa.
O sentido do meu existir, permuto com memórias marcadas
Que no ventre da cama
Dão sinais.
Acordo feia
Vasculho nas veias a direção
Coração esquisito... ainda bem...
Sabe que a vida é dor e por isso ri.
Aprendo do percurso na condição -
malemolência
Preguiça
Conhecer é lento e não quero ter pressa
Quando excedo
Acontece uma placa bem grande na minha testa.
Ainda estou nos extremos de pensamento variado e ação repetitiva.
Assim como concebo nas palavras
É no corpo que preciso criar a minha poesia.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Exemplo

Eles corriam curiosos pela floresta
Buscavam bichos, pedaços de pau, frutas
Molhavam as mãos na água
E correndo atrás de borboletas
Colhiam asas para sua imaginação.
Eram dois corpos perfeitos
Livres a percorrer espaços
Que no entrelaço da amizade
Apreendiam, por condição de viabilidade,
Sobre o laço a um irmão.
Assim sou mãe do espaço
Da vista
Da paisagem
Da cola secreta que une um ser ao outro
Do acaso da vida
Da intenção de amor.
Pouca idade, já não tenho mais...
Partes doem
Sofro de insônia
A pele desbotada na varredura das manchas
E um sangue, que de vermelho que é,
Me empurra por dentro, inquieta.
Há tempos desconheço o manso
Oro cada vez mais por um verbo infantil:
Quero, brinco, sonho, descanso
Carinho, choro sincero, sentimento limpo
Mãe, deita aqui até eu dormir?
Desejo andar de mãos dadas
Irmãmente assim
Como aquela liberdade de dois seres
Desfrutando dos saberes da alma no concreto:
Chão – passo
Desejo – beijo
Espanto – abraço
Molhado – esparramado pela pele toda
Percorrendo o trajeto de reconhecimento:
Assim eu sou, sinto, vejo, almejo – e faço.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Gente é gente - e é importante

Gente ama
Gente sofre
Gente chora
Gente ri
Tem medo
Tem coragem
Tem bravura
Pra construir
Gente deseja
Almeja
Peleja
Enfraquece
Gente sonha
Corre atrás
Se ferra
E depois esquece.
Fica triste e fica alegre
No espaço de um instante
Perde o jogo
Se machuca
Se levanta
E segue adiante
Atenção para um dito
Que é muito relevante:
GENTE É GENTE.
Não é ferramenta
Não é recurso
Não é processo
Não é método.
Gente é gente
E é importante.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Amém

Me disseram os astros que até Outubro seguirei com as minhas perdas. Assim se deu com a minha identidade, o meu emprego, um grande amigo e mais recentemente, um tanto da minha liberdade. Não creio em destino ou coisas pré-determinadas, mas talvez, por assim saber das minhas probabilidades, como que encaixo os fatos no leito da minha compreensão. Plutão, mestre dirigente da minha transformação e com quem venho ganhando intimidade, tornou-se par para um meu diálogo de aprender o que nesta vida vale. Tudo sem desespero, mas com a tristeza necessária. Com firmeza, o meu saber se faz sozinho e calmo em cada milímetro de coração que aperta. Estou certa do pensamento e curva do caminho . Vasculho montanhas, passagens, passado. Vislumbro paisagens de mar. Não tenho certeza de nada. Das minhas entranhas brotam as palavras e os significados. Dói rasgando, mas liberta coisa que eu não perco jamais. Não há bandido que leve as minhas artimanhas, então ando agradecendo por tudo, mesmo que pareça incrível. Ouço de próximos: “Nossa, que maré!” e eu sigo remando, colecionando formas de me defender e de brilhar. Vai dar pé!