segunda-feira, 27 de julho de 2009

Abram alas

“Ó pai, duro é este discurso, quem poderá entendê-lo?”
Adélia Prado

“Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras. Sou formado em desencontros.”
Manuel de Barros


Adélia me dá liberdade quando nada mais me cabe
Função de poeta é acolher contrários - disse Manuel do simples de sua clareza.
Não fosse a poesia
Me sentiria apenas esquisita ou fora de ordem
Voluptuosa e sem controle nenhum dos sentidos
Do meu sabido de viver.
Olho pro meu umbigo
Vontade de me abrigar numa função qualquer
Numa palavra qualquer
Numa commoditie reconhecida pela sociedade já que, em mim mesma, não encontro um passo reto.
Horas vendo o nada
Filmes me trazendo a soltura
A literatura como a única fala possível
Porque a vida está grande demais.
A água me ofertando uma querência mole
Lenta
Sonolenta
Que não condiz com uma mulher de trinta e três anos
Que sempre se deu a missão de lutar.
Não faltam exemplos
Estímulos
Conversa
Promessa de que tudo vai mudar.
Estática, desejo por egoísmo:
Se eu pudesse deixaria o mundo parado
Para ver a minha tristeza passar.

“Mas alguma coisa acontece no quando agora em mim. Cantando eu mando a tristeza embora.”
Caetano Veloso

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Uma tarde no Petit (Paulette)


Conhecemos a Renata, que nos serve uma gelada após a outra entre deliciosas comidinhas e é casada com o cozinheiro. Renata tem um par de filhos, um de dois e outro de doze - o mais velho toma conta do menor enquanto ela atende ali - bendito feitio do tempo que me acolhe em conversa e por dentro abraça os irmãos pra labuta materna.

Ficamos as duas nos versos de amor e sentidos de ventre, que aos cochichos sabemos. Palavras fogo de não queimar, palavras sopro de acalmar leite-sentimentos.

Do inesperado surge o caldo, a cultura, o futuro. Vejo por onde crescer e tanto medo! Da alma de boteco vem o anjo, o servo das possibilidades de encontros sem precisão de resultado mas jorrando água na direção do meu vento: impossível voltar atrás.

Minha calma é um corpo lento que deseja as ondas de mar e me leva pra lugar certo. Eu sei e aceito como que em conjectura de astros, quase irracional. Conheci meu dono tarde (o poema), e depois de sua invasão toda a vida retomou seu sentido: musica, filmes, bares, a minha profissão, os homens diante de mim e mais ainda o meu umbigo.

Nós duas, mulheres e mães extremamente nesta ordem, vivemos uma tarde de malemolência conversatória, da qual nosso íntimo mestre, de longe participou por nossa união. Sorrimos como fotos de jornais, achamos nossos entre-universos pedindo mais: amor, amizade e poesia - numa boa mesa de calçada.

A Dê e eu.
Depois o Zé.
Com Paulinho, no Petit.

A cria queria cheiro e esta metade venceu. Segui em paz.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Inspiração de amar

“Estamos encontrando a nossa forma de viver juntos”, ele me contou. E eu pensei: isto é estar disponível para o amor e aprende-lo de forma natural. O amor é um grande encontro de essências. Aprendi certo naquele dia - e simples, como deve ser. Apenas uma frase, algumas palavras bem dispostas e meus módulos mudaram de lugar. Desejo de amar animou meu corpo, me respirou fundo. Uma calma enorme por ter sabido do amor assim, em feitura amorosa desamarrada das coisas expostas. Existem mais como eles? Como eu? Naquele dia, por fato real e conta de probablidade, concluí que sim. Havíamos nós nos encontrado, dentre tantas milhares de pessoas que vieram de Belém para o Rio trazendo o seu amor na bagagem. Então, enquanto não chega às minhas mãos a massa, a tinta, a matéria nua: fico a espreita em silêncio de poesia, percorrendo cada canto meu que corre sangue e se arrepia de vontade de viver.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Bailarina

Na barra da saia dela
Mora uma bailarina
Que atiça esta menina
Com o fogo de mulher

Quando ela entra na roda
Todos clamam seu rodar
Ela desce até o chão
Coração a disparar

Roda, roda bailarina
Chama o povo, contagia
Vai levando alegria
Que é o que todo mundo quer

Roda, roda bailarina
Traz à tona a criança
Tua volta é toda dança
Tua sina está no pé.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Neste dia

Quando
De mais a mais
O amor houver
Vale a pena subir mais alto
Mais rente
Mais forte

Quando
De mais a mais
Mais simples for
Estou lá
Confusa e plena
Na sorte dos animais

Não tenho norte
Destino
Promessa
Só tenho a reza
Dos ancestrais

A fonte da vida,
Árvore rara que se cultiva interna e se expressa no corpo,
É divina humana comédia
Teia de sentimentos
Poema bêbado de sambistas
Que se toca até de manhã

Já tonta nem sei o que digo
Só ouço vozes do coração.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Para a vida toda

A poesia sempre foi nossa companheira
Nosso elo
Nossa amiga
Com você inaugurei esse reinado em mim
Transcrevi tudo que fui sentindo
As tuas provocações que me percorreram
Relatei passo a passo do que foi me acontecendo.
Alguns medos preferi não escrever...
Optei por escondê-los até de mim mesma
E também de você
Mas a minha coragem
Esta sim ganhou imagem nas cifras
Esta sim se desenhou.
E agora
Que você foi embora
E se restringe a algumas mensagens de saudade
Alguns almoços e fins de tarde no meu pensamento
Ela é ainda a minha companheira
É por onde falo o que quero sem sequer precisar te dizer
E conto para mim mesma o que foi te conhecer
Me apaixonar por você
O que é te esquecer...
E ler de forma distante quando você se remete para mim.
Os laços que me uniam a ti se afrouxam
Perdem-se no tempo que você nos dá
Deixam-me ausente da tua presença
Mas muito íntima da minha própria pessoa
Dentro do meu corpo, a nossa lembrança voa...
E se registra
Quase todo o dia
Na amizade que eu fiz com a poesia.